A Pumpkin Ale perfeita

Há mais de uma década, Mark Pasquinelli embarcou numa missão para elaborar a cerveja de abóbora perfeita. Vou aqui partilhar as suas técnicas para preparar um dos estilos de cerveja favoritos no outono, com um rico sabor a abóbora e um perfil de especiarias assertivo.

A cerveja de abóbora é anterior à fundação dos Estados Unidos. Elaborada com uma fruta indígena desconhecida para a maioria dos europeus até ao seculo XVI, foi a primeira cerveja americana verdadeiramente nacional. Nos primórdios, era humildemente produzida durante os dias coloniais por necessidade, quando o malte era escasso e os açúcares fermentáveis tinham que ser encontrados em outras fontes. A cerveja tornou-se popular entre os colonos, diretamente ou misturada num cocktail conhecido como “flip”. Mas nada dura para sempre e, no século XIX, o recurso a este ingrediente caiu em desuso quando se começou a considerar que era algo demasiado rústico e pitoresco.

O estilo foi ressuscitado mais de um século depois – em 1985, durante os primeiros tempos da revolução artesanal – por Bill Owens, da Buffalo Bill´s Brewery, em Hayward, Califórnia. Owens, inspirado por uma das receitas de George Washington, elaborou uma cerveja de abóbora e adicionou um fator especial: especiarias (nas versões coloniais não estavam em destaque). Nasceu assim uma estrela.

Hoje, parece que todas as cervejeiras e brewpubs fazem uma cerveja de abóbora, tornando-se num dos estilos sazonais favoritos nos EUA.

Foi na procura de uma cerveja de abóbora perfeita que Mark embarcou numa missão de mais de dez anos. A versão aqui apresentada é robusta, limpa e com malte de grãos sólidos, que embala toneladas de sabor de abóbora e exibe um perfil de especiarias assertivo. Será como saborear uma torta de abóbora num copo. O principal e especial ingrediente é um pequeno investimento de tempo.

Estilo da cerveja:

Muitos estilos de cerveja podem servir de base para a produção de uma cerveja de abóbora. Por exemplo, uma Porter ou uma Stout podem fazer um excelente complemento às notas das especiarias. A receita de Mark tem como base uma Amber Ale, que possui uma sólida espinha dorsal de malte para sustentar a abóbora e as especiarias e que deixa brilhar uma bonita cor laranja.

Malte:

A nota de grão é simples: Pale Ale e Munich são os maltes base, selecionados pelas suas características “bready e “toasty”; a receita é reforçada com maltes belgas de especialidade, como o Dingemans Aromatic, e ainda o Caramunich pelo seu aroma, sugestão de doçura e coloração castanho alaranjada tipo abóbora.

Uma dose de açúcar mascavado completa a receita e acrescenta um toque de autenticidade colonial. É um ingrediente comum e que fornece fermentáveis adicionais para aumentar a percentagem de álcool sem tornar a cerveja demasiado cloying. Uma gravidade específica de cerca de 1,065 parece ser perfeita – proporcionando o melhor equilíbrio entre a percentagem de álcool e a capacidade de beber. O mash deverá ser em um único step, de 68ºC por 60 minutos, para garantir uma cerveja rica e cheia de corpo.


Abóbora, claro:

Uma cerveja de abóbora precisa de… abóbora! Esta revelação perde-se quando algum microcervejeiro utiliza abóbora enlatada em lugar da fresca. Tudo isto para ser o primeiro a chegar às lojas. É claro que isto é uma violação de tudo o que é sagrado na cultura de produção cervejeira.

Mas também não serve utilizar uma abóbora qualquer. As tradicionais abóboras, usadas como lanternas no Halloween, não são a melhor escolha pois fornecem pouco sabor e fermentáveis. As abóboras crookneck (ou então butternut), também conhecidas como “abóboras de pescoço”, que apresentam cor bronzeada e são semelhantes a um caju em esteroides, são as mais indicadas. A receita exige cerca de 500g por cada 4 litros.

A abóbora tem que ser preparada uns dias antes da elaboração da cerveja. Deve-se cortar em vários pedaços (cerca de 15cm de comprimento), colocar em folhas de alumínio e polvilhá-las liberalmente com açúcar mascavado. Depois, assa-se no forno a 190ºC até ficar macia. Isto leva aproximadamente de duas a três horas. Durante a torrefação, o açúcar mascavado vai derreter e caramelizar na abóbora, proporcionando sabor extra. Em seguida, remove-se do forno e deixa-se esfriar. Finalmente, retira-se a pele da abóbora e corta-se em cubos grandes (reservar o sumo para dar cor e sabor) e guarda-se numa tigela coberta no frio. No dia da elaboração, retire do frio para ficar à temperatura ambiente antes de adicionar ao mash. Para quem faz grandes quantidades, de modo a evitar válvulas entupidas ou sifões, deve-se colocar a abóbora numa grande bolsa de malha fina para frutas.

Lúpulo e Especiarias:

Numa cerveja de abóbora, o lúpulo deve ser muito discreto. O preferível é usar variedades com teor elevado de alfa-ácidos – como Northern Brewer, Galena ou Magnum. Chega uma dose para obter um amargor de 20 IBUs, o que permite manter a doçura do malte sob controlo.

As especiarias fazem com que a cerveja de abóbora ganhe vida. São as especiarias que ocupam o lugar tradicional dos aromas e sabores do lúpulo aromático. E é aqui que devemos ser criativos e deixar a imaginação funcionar. Podemos ser ambiciosos na utilização de canela, noz-moscada e gengibre, dando mesmo um toque de baunilha. A canela-de-Saigão (canela vietnamita), pelo sabor forte, rico e doce é a mais preferida, sendo que a pimenta da Jamaica também é uma boa opção.

A baunilha é o principal aditivo final, devendo ser adicionada em secundário para dar um suave aroma e sabor e enquadrar-se no perfil de especiarias. Com o passar do tempo a baunilha irá sobressair.

As quantidades de especiarias utilizadas podem parecer assustadoras. Todavia, a maioria das receitas de cerveja de abóbora requerem apenas uma ou duas colheres de chá. Não tenham medo. O pior que pode acontecer é ficar uma cerveja desequilibrada! Quando não estamos seguros sobre as quantidades, deve-se adicionar as especiarias gradualmente e a gosto, até alcançar o sabor desejado. É sempre possível adicionar mais, mas atente-se que não se pode subtrair uma vez introduzidas!

Levedura:

A escolha da cepa de levedura é bastante importante, aconselhando-se a WLP002 English Ale. Esta levedura começa muito bem e flocula lindamente alguns dias depois, deixando uma maravilhosa cor de abóbora e a doçura desejada. A fermentação deverá ser entre os 18º-20º, mas nos 22º-23º parece dar um melhor perfil de sabor (talvez pelo aumento da produção de ésteres). Em alternativa, pode optar-se pela White Labs WLP565 ou pela Wyeast 3724 Belgian Saison, que também promovem a produção de maravilhosas cervejas de abóbora.

Mesmo que a fermentação primária fique completa em alguns dias, espere pelo menos uma semana antes de ser passar para um fermentador secundário. A fase secundária dura mais uma semana ou duas. Nesta fase, experimente e adicione mais especiarias conforme necessário. O perfil de especiarias pode parecer um pouco áspero nesse ponto, mas não entre em pânico. Todos os sabores se unirão de forma mágica. Adicione a baunilha alguns dias antes do engarrafamento.

Às vezes, a espera é a parte mais difícil, mas a sua paciência será recompensada. A receita da “Perfect Pumpkin Ale” leva cerca de um mês de condicionamento até atingir o seu pico, que irá reter durante todo o inverno e até à primavera (ainda que acreditemos que a sua primeira cerveja de abóbora perfeita, provavelmente, não durará tanto tempo!).

Fresco é melhor:

Não nos devemos contentar com nada menos do que o melhor dos nossos maltes e lúpulos. As coisas boas - canela gourmet, noz-moscada moída e gengibre - custam uma pitada mais, mas o sabor compensa esse esforço. E também a baunilha. A baunilha de imitação é vil e não pode comparar-se com o extrato de baunilha puro!

Fonte - https://beerandbrewing.com